domingo, 29 de maio de 2016

Perguntas de salto e respostas de alto #6

Já há muito tempo que esta rubrica andava desaparecida... Desaparecida, mas não esquecida! E, decidi, que era hora de a trazer de volta.

Para quem não sabe, esta rubrica consiste numa pequena entrevista a um emigrante português, para nos ficarmos a conhecer melhor, para partilhamos ideias e experiências e, quem sabe, até inspirar alguém.

Hoje trago-vos a entrevista da Rita. A Rita é enfermeira e, como tantos outros, viu-se obrigada a fazer as malas e a deixar o nosso cantinho à beira-mar plantado. Instalou-se em Londres, onde trabalha no University College of London Hospital, como enfermeira de Neonatologia.

Passemos, então, às perguntas (e às respostas).

1 - Há quanto tempo saíste de Portugal?

Saí de Portugal em Julho de 2012, portanto, há quase 4 anos.

2- O que te levou a tomar a decisão de sair?

Emprego precário (part-time, a recibos verdes, numa clínica) e falta de oportunidade para trabalhar onde realmente queria, em contexto hospitalar.

3 - A saber o que sabes hoje, voltavas a tomar a mesma decisão?

Sem dúvida. Foi muito complicado, na altura, mas não me arrependo de nada. Cresci e aprendi muito nestes últimos anos. Acho que me superei a mim mesma e ganhei a minha independência.

4 - Descreve a tua experiência em Inglaterra em 5 palavras:

Desafiante, enriquecedora,  multi-cultural, aventureira, non-stop.

5 - 3 coisas (coisas, não pessoas) que trarias de Portugal, se pudesses:

Posso considerar a praia uma coisa? Se sim, claro que traria a praia. É das "coisas" que mais me faz falta. Adoro ver o mar, nem que seja no Inverno!

A comida, apesar de conseguir trazer alguma e de cozinhar pratos portugueses.

O clima... sem dúvida que temos muita sorte no clima que temos! É muito triste ter que usar casacos durante quase o ano todo! (I hear you, sista...)

6 - Em que é que sentes que a tua vida mudou, para melhor e para pior, com a mudança?

Sem dúvida, a minha vida profissional mudou muito e para melhor. Trabalho na área em que sempre quis, subi um escalão na minha carreira com continuação de progressão, tenho o respeito e reconhecimento dos meus colegas, tenho uma equipa fantástica que continua a apoiar-me muito, continuo a fazer cursos e formações pagos pelo hospital onde trabalho, recebo um salário que, nunca na vida, iria receber em Portugal, como enfermeira. Para além da vida profissional, penso que o facto de viver noutro país me fez evoluir muito enquanto pessoa, convivendo com outras culturas (uma vez que Londres tem uma diversidade cultural imensa), sabendo desenrascar-me, de modo a criar a minha independência.

No lado negativo, há o facto de perder imensas coisas que acontecem em Portugal e nas quais não posso estar (sempre) presente, o estar longe da minha família e de parte dos meus amigos (tenho muitos amigos espalhados pelo mundo... cada vez são menos em Portugal!). Mas, acho que já aceito isso de forma natural. Já me custou muito mais, confesso.

7 - Um conselho que darias a ti própria, se pudesses voltar atrás no tempo:

Talvez, ter mais calma em determinadas situações. Sou muito impulsiva, por vezes, e vivo as coisas tão intensamente que me enervo muito facilmente. Talvez se tivesse tido mais calma em determinadas situações, isso tivesse ajudado a ultrapassá-las com maior facilidade.

8 - Um conselho para a nossa geração (e para as futuras) dentro e fora de Portugal:

Não se acomodem. Se têm sonhos, vão à luta, por muito que custe deixar a zona de conforto. Ganha-se muito mais, não só profissional, como pessoalmente. Enriquece-nos como pessoas e dá-nos mais confiança em nós próprios. Como dizia o Bruno Nogueira: "O Mundo não é isto, o Mundo é bué de cenas!".

9 - O que achas essencial mudar em Portugal?

Mentalidades e políticas.

Os governos mudam, mas não há mudanças que levem o nosso país a andar para a frente. Os nossos jovens continuam a sair do país, à procura de melhores oportunidades de emprego. Continua a ser muito preocupante, por exemplo, na minha área, a quantidade de enfermeiros que sai do país todos os anos. Há que criar condições de trabalho e melhores salários. Os enfermeiros são a base do Serviço Nacional de Saúde... sem eles, não funciona. Eu sei que não é fácil, mas já andamos assim há muitos anos e, pelos vistos, não há melhorias.

Depois, há gente com tanto potencial, mas não há apoios.

E assim vamos andando, infelizmente. Cada vez que volto a Portugal, a história parece a mesma de sempre, "tudo na mesma". E custa muito ver isso, porque é o nosso país e o lugar onde, um dia, gostaria de voltar a viver.

10 - Onde te vês daqui a 5 anos? E daqui a 10?

Esta é uma pergunta muito complicada!
Estou numa fase da minha vida de alguma incerteza. Adoro aquilo que faço, mas não me vejo a ser enfermeira para o resto da minha vida (é uma profissão muito desgastante, física e psicologicamente). No entanto, não sei que profissão escolher, além de enfermagem.

Neste momento, estou envolvida num projecto que se chama "Global Newborn Network", que está mesmo muito no início, e que está a ser desenvolvido por enfermeiros e médicos da minha unidade. É um projecto muito desafiante e ambicioso que tem como objectivo primordial a redução da taxa de mortalidade neonatal em países em desenvolvimento (isto, claro, a longo prazo). O intuito será avaliar as condições de unidades neonatais nesses países e quais as práticas, de forma a podermos dar formação para melhorar os cuidados prestados, com as condições envolventes. Inicialmente, pretendemos fazer isto no Uganda, onde já temos contactos, sendo que no futuro queremos abranger mais países. É de facto um projecto bastante ambicioso e a longo prazo mas que pode vir a dar bastantes frutos. Espero dar mais novidades brevemente. (Vá, vamos todos dizer em uníssono: UAU. Também espero que nos dês novidades brevemente!)

Daqui a 5 anos, estarei, provavelmente, em Londres. A fazer o quê? Não sei.

Daqui a 10 anos, ainda pior, não sei mesmo!

Se me perguntasses, há 5 anos atrás, se me veria onde estou hoje, eu nunca me teria imaginado assim.

Podemos repetir a entrevista daqui a 5 anos para ver o que mudou! (Combinado!)


A Rita, com a Tower Bridge em pano de fundo. 

37 comentários:

  1. Gostei muito e revejo-me sempre nas palavras de outros expatriafos. A Rita tem blog? Beijinho

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    1. Não, a Rita não tem blogue. Mas, assim que puder, eu dou mais novidades sobre os projectos dela (=

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  2. Excelente esta entrevista. A Rita sabe o que quer e tem a lucidez necessária para optar. Infelizmente Portugal tornou-se outra vez um país de pessoas que emigram. E desta vez os mais qualificados. Ficámos a perder. Imagino que a Rita não volte para este país que é o dela e do qual sente a falta, mas que não tem capacidade para alterar as coisas. Que tudo corra bem à Rita.
    Beijos.

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    1. Que tudo corra bem à Rita e a todos os que tiveram coragem de sair (e aos que tiveram coragem de ficar)

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  3. Vivemos em países diferentes com realidades iguais. Revejo-me naquilo que ela diz. Sm. Beijinho

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    1. Sim, acho que nos revemos todos um bocadinho. Beijinho

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  4. Entrevista fantástica! Não é a pobre enfermeira que saiu de Portugal por falta de oportunidades, mas a mulher ambiciosa (no bom sentido: o de evoluir pessoalmente e no serviço ao proximo) e de bem com a vida e com as suas escolhas. Coragem, Rita, continua a ser este bom exemplo!

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    1. Um óptimo exemplo! Temos muito a aprender com pessoas assim (=

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  5. E que tudo corra bem à Rita! Felicidades *

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  6. Como sigo o teu blog à pouco tempo, não conhecia esta rubrica, mas fiquei a adorar!
    Beijinho. Correu bem a viagem?
    www.bloguerosa.com

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    1. Ainda bem que gostaste (= vou esforçar-me por torná-la mais regular!

      Sim, correu muito bem, obrigada (=

      Beijinho

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  7. Muito bom!realmente é mesmo assim.Aqui sinto respeito por mim e pelo meu trabalho e oportunidades de evoluçao pessoal e profissional que dificilmente teria se nao tivesse decidido entrar naquele aviao!

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    1. Infelizmente, Portugal não nos oferece aquilo que precisamos é que merecemos...

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  8. Espero que corra bem :) Infelizmente cada vez mais em Portugal forma-se profissionais quaificados e nao lhes dao oportunidade de vingarem no seu proprio pais. Já começaram a nem sequer permir a conclusao da formação. Enfim..
    Blog

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    1. É verdade, é muito triste a situação deste país )=

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  9. Muita força e muito sucesso para a Rita :)

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  10. Desejo tudo de bom... guerreira!

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  11. que consigas lutar sempre pelo que te faça feliz :)

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  12. Adorei ler a entrevista :)
    Conhecer-te um pouco melhor e às tuas perspetivas. :)
    Beijinho*

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    1. Ainda bem, tenho mais entrevistas em preparação (=

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  13. Aqui o tempo também está muito do género "ter de usar casacos o ano todo", estamos no fim de meio e eu ainda ando assim!

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  14. Muito obrigado pelos comentários =) Acho que muita gente se revê na minha história! Espero com este testemunho ter mostrado que nem sempre é fácil tomarmos decisões mas que, muitas vezes, vale a pena arriscar para alcançarmos os nossos objectivos =)

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    1. Sim, Rita, estás a fazer sucesso (= que sirvas de inspiração a muita gente!

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  15. Como cheguei hoje da comic con, só vi a entrevista hoje mesmo... omg realmente :D é realmente uma entrevista brutal e também está no UK há 4 anos :D o mesmo tempo que eu, que coincidência!

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  16. Tão interessante! Também tenho imensos colegas enfermeiros que tiveram de partir porque cá não havia progressão. É triste e assustador!

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    1. Enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas... e tantos, tantos, tantos outros

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  17. Gostei muito da entrevista :)
    Bj S

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  18. Excelente entrevista. Que tudo lhe corra bem e parabéns pela coragem.

    https://oblogcat.blogspot.pt/

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  19. Adorei conhecer-te um pouco mais :) Não deve ter sido nada fácil deixares o teu país, custa sempre, mas acredito que tenha valido a pena.

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